Olá, pessoinhas.
Como alguns de vocês já sabem, estou em uma jornada de
reescrever postagens antigas do blog, tanto para revisá-las quanto para
atualizá-las e deixá-las com mais (e melhores) informações.
No caso do post de hoje, não é diferente.
Originalmente, o texto apresentava apenas o conteúdo em si,
as opiniões de outra pessoa para discussão, mas resolvi que acrescentaria meus
dois centavos de ideias sobre a questão, já que ela é um ponto bem sensível no
meio literário desde então (e hoje é mais do que nunca).
Então vamos em frente.
O texto que discutiremos hoje, apesar de ser voltado
estritamente para o campo pedagógico (pedagogia é minha primeira formação superior),
pode nos ajudar a tirar algumas conclusões bem úteis a nosso processo de
evolução na escrita. Como leitora-beta e revisora, lido o tempo inteiro com o
ponto principal do texto e até pude compreender um pouco mais sobre o que o
termo realmente quer dizer.
O trecho é do autor Pedro Demo (não sei se alguém aqui já
ouviu falar) e pode ser encontrada no começo do capítulo 4 do livro “Mitologias
da Avaliação”, intitulado “Algumas Contradições Performativas”. Trata
especificamente da avaliação em um contexto escolar e acadêmico, mas também
podemos usar em outros locais em que ela se faz presente (afinal, betar é uma
atividade avaliativa, de certa forma, com a diferença de que nenhum de nós
aprova ou reprova nenhum dos autores no fim do ano ― embora alguns bem que
mereçam essa última).
É um pouco grande, mas vale a pena. Os grifos são meus.
1. Sobre a “crítica positiva”
Na conclusão de um curso de pós-graduação lato sensu em Belém (1996, no Sistema Municipal de Educação), por ocasião da apresentação das monografias, a turma fez de tudo para emplacar a ideia de que não se poderia criticar os textos. Tendo em vista que o orientador havia acompanhado e aprovado o trabalho, não seria mais o caso de colocar em xeque o esforço do aluno. Apelou-se inclusive para expedientes “extracampo”, como pressão política e reação tendenciosa da plateia, com vistas de pressionar os examinadores no sentido de que a crítica já não seria tolerada. Tratando-se de curso para educadores da Rede Municipal de Educação e tendo como um de seus fulcros o desenvolvimento da capacidade crítica, causou espécie tal atitude. Frequentemente aparecia a ideia segundo a qual a crítica só poderia ser adequada se fosse positiva.
Pessoalmente, já vi algo parecido acontecer várias vezes no
meio literário. Todo e qualquer crítico, ainda que esteja fazendo observações
válidas e colocando seus pensamentos da forma mais educada possível, é visto
como um hater e tem seus posicionamentos invalidados.
Muitos autores deixam bem claro que apenas aceitarão
“críticas construtivas” (ignorando por completo o fato de que nunca construirão
nada de relevante se não descobrirem quais são seus pontos fracos para poder trabalhar
neles).
Alguns foram mais longe, blindando gêneros inteiros contra
críticos. É o caso do romance erótico, e todo mundo que fale algo a respeito
logo é considerado como conservador (!!) ou preconceituoso (!!!)
(e é engraçado como a primeira coisa é colocada, necessariamente, como sinônimo desta última). É algo “cringe”,
ainda que a crítica se centre em questões técnicas, e passem longe de tecer juízos
de valor sobre o gênero em si.
Vamos em frente.
Na verdade, não se trata de fato isolado, mas de hábito comum entre educadores, em particular entre pedagogos. Acalentam a expectativa de que a relação pedagógica mais adequada ou mesmo mais típica é aquela marcada pelo elogio ou pela não exigência. Embora não falte o recurso ao “amor exigente” como procedimento para encarar a indisciplina em sala de aula, na prática convive-se mal com a crítica. Não se trata apenas da dificuldade da crítica, mas principalmente da dificuldade de aceitar a crítica que venha de outrem. Daí é apenas um passo para chegar à ideia de que a crítica seria fator adverso da aprendizagem. Função central do professor não é apontar erros, mas sustentar o elogio, seja por conta de não danificar a autoestima do aluno, seja para incutir no processo a prazer de sentir-se elogiado, seja por conta de tipo de envolvimento pedagógico marcado pela disponibilidade irrestrita.
Uau, nunca vi algo que
representasse tão bem o meio literário. Até mesmo na questão da autoestima do
escritor. O objetivo parece ser proteger o ego dos autores (sobretudo dos
iniciantes e, mais ainda, dos que não tem pretensões de se profissionalizar na
área e querem mantê-la como um hobby), ainda que isso custe a credibilidade
deles e acabe por puxar para baixo a profissionalização do mercado como um
todo.
Eis o motivo de tantas
pessoas de tantas pessoas custarem a crer que existem fanfics boas, por
exemplo: as que viralizam são aquelas tão toscas que a gente acredita que só
foram feitas para virarem memes e qualquer crítica que alguém faça a algum
erro, sacam logo a carta do “mas é só hobby” do bolso. Aí fica difícil. Não é
porque é hobby que está ok fazer qualquer coisa de qualquer jeito.
Claro que, assim como no meio
educacional, o apontamento do erro, obviamente, não deve ser feito com o objetivo
de humilhar alguém ou fazer com que o escritor desista de escrever. O foco tem
que estar em sua melhoria, seja nos estudos, seja na escrita criativa.
Mas
fingir que alguém não tem problemas óbvios na construção de personagens e até
tecer elogios vazios a esse “defeito” não o fará desaparecer, como se o autor
fosse percebê-lo e consertá-lo por mágica. Só fará com que a questão piore em
um efeito bola de neve e, sobretudo, para quem quer se profissionalizar no
futuro, dificulte o andamento de sua carreira.
Porque
tem isso: o escritor amador pode não querer se profissionalizar agora, mas mudar
de ideia no futuro, só que se não tiver aprendido certas habilidades (entre
elas, lidar com todo tipo de opinião; fora as óbvias questões técnicas da escrita), esse sonho fica mais difícil.
A crítica faz parte do processo de aprendizagem, seja nas carteiras escolares ou no meio literário (ou em qualquer outro ambiente) e todos nós precisamos dos adaptar a ela (o que é facilitado se soubermos separar o que é crítica do que é ódio puro, porém a capacidade de diferenciar críticas bem fundamentadas, ainda que negativas, do flame vazio só poderá se aprimorar caso o autor seja exposto às críticas ao longo de sua evolução como escritor).
De novo, confunde-se aqui entre crítica mal posta, e a crítica como tal. Do ponto de vista metodológico, crítica é sempre negativa. Crítica “positiva” é outra coisa, quer dizer, é elogio. O elogio pode ser importante para fins pedagógicos, mas não substitui a crítica. Criticar é precisamente apontar erros, falhas, vazios. Seu caráter negativo lhe é intrínseco e tem nisto mesmo sua significação própria. O modo como fazemos a crítica é outra questão (...). Também quando conjugamos aprendizagem com erro, estamos sempre apontando para a crítica, em especial, para a autocrítica. Podemos fazer elogio ao erro, mas isso não desfaz que seja erro.
Citando Ayn Rand, filósofa gringa, podemos ignorar a realidade, mas não as consequências de ignorar a realidade. Se até ideias têm consequências, imagina atitudes? Trazendo para nosso assunto específico, podemos fingir que não temos problema em construir um bom enredo e nossos leitores podem “passar pano” se fazendo de cegos em relação a isso. Eu posso até fingir que é bonito escrever sem preparação alguma e chamar isso de “estilo”, mas não apaga o fato de ser um terrível problema ter uma trama que não se fecha e se desenrola de qualquer jeito para um final que deixa tudo em oferta e não resolve um problema sequer.
Como
o próprio autor que discutimos já destaca, o que acontece é uma confusão grave
entre a crítica e a crítica mal posta (aquela feita com base na opinião do crítico que ele
tenta fazer parecer que são regras, por exemplo, ou quando o comentário é feito
de forma depreciativa, com o objetivo de desqualificar o trabalho do outro).
E erramos novamente ao tratar uma como se, obrigatoriamente, fosse o mesmo que a outra. Quando o autor trata todo crítico como alguém cheio de ódio, um invejoso ou grosseiro, mostra muito mais de seu despreparo emocional em lidar com o pensamento discordante do que convence o leitor atento de que o problema está mesmo do lado de lá. 'E inteligência emocional é algo fundamental ao escritor, já que quando torna sua obra pública, ela deixa de ser somente dele e passa a ser, também, em partes, de seu leitor.
A insistência na crítica “positiva” esconde uma série de problemas no professor e no pedagogo, tais como:
a) Teme ser criticado, até porque sente muita dificuldade em suportar debate exigente em termos acadêmicos; para evitar a crítica, julga ser tática inteligente desqualificar a crítica desconstrutiva;
b) (...) falta a coerência final da crítica, que é a autocrítica; com isto aponta a contradição performativa clássica: critica, mas não suporta ser criticado;
(...)
e) Por ter percepção adocicada da vida em sociedade, (...), não sabe encaixar a importância para o desenvolvimento das pessoas de saber adminsitrar a dor, a rejeição, a pressão; confunde-se o lado duro da crítica com amargura;
f) Por geralmente não dispor de vida acadêmica produtiva ― por exemplo publicar sistematicamente ― ignora que, para todo autor, o importante é saber da crítica, mesmo daquela que possamos tachar de injusta; academicamente falando, o elogio nada acrescenta.
A
tese defendida por Demo apenas confirma o que estou tentando transmitir até
aqui: geralmente, a aversão a toda e qualquer crítica indica muito mais os
problemas naquele que foge dela do que no crítico.
Infelizmente,
é uma questão conhecida a existência de egos gigantescos no meio literário.
Além disso, tendemos a tratar nossas obras como um pedaço de nós que externamos
aos outros (mesmo que o livro não tenha nada a ver com nossas vidas em termos
objetivos) ou nos inspiramos em aspectos de nossa própria personalidade para
construir nossos personagens; logo qualquer crítica à obra tende a ser vista
por escritores menos maduros como uma ofensa pessoal.
Qualquer
“este personagem não tem motivações muito convincentes” ou “a solução para esse
conflito não parece ter muita verossimilhança” logo é vista como um ataque ao
próprio autor, ao aspecto de sua vida usado como inspiração ou a suas
capacidades intelectuais.
E
aqui chega a outra tese: talvez a dificuldade tão grande em separar outro autor
de sua obra (o que é foco de tantos “cancelamentos” hoje em dia) aconteça
porque o escritor tem dificuldade em separar a si mesmo de sua própria obra,
logo imagina que todo escritor tende a abordar nos livros aquilo que carrega
dentro de si (para alguns, se eu escolho contar a história pela perspectiva de
um personagem que tem falas racistas, por exemplo, nunca será porque quero
discutir esse problema de forma a causar desconforto e autoavaliação no meu
leitor e provocá-lo a buscar esses comportamentos nele mesmo para, a partir
disso, reavaliar e mudar sua postura: só pode ser porque eu sou racista também,
óbvio!).
Com
uma visão dessas, claramente o autor verá toda crítica a seus textos como um
ataque pessoal, logo o crítico “passou dos limites” e alguns deixam evidente
sua intenção de silenciar falas discordantes. O famoso “critique no privado” é
apenas uma forma meio falsa de dizer “apenas deixe suas opiniões verdadeiras onde
eu possa ignorá-las e ninguém mais veja”.
Existe certamente face correta nesta preocupação: não se perder na amargura de quem só sabe ver o lado negativo das coisas. Tratar-se-ia então de negativismo. No fundo, porém, quem não sabe escutar a crítica, não sabe aprender. Em ambiente civilizado, como deveria ser aquele dos educadores, a crítica por mais dura que possa ser, deveria ser formulada em termos elegantes e sempre no sentido de colaboração. De todos os modos, há que distinguir entre criticar ideias e criticar as pessoas. Em nossos ambientes, nos quais relacionamentos entre pessoas e acadêmicos facilmente se confundem, tendemos a interpretar a crítica como ofensa.
Batemos
nessa tecla novamente: quando a crítica é vista como ofensa, a saída é calar o
crítico ou apontar um suposto ressentimento ou inveja em seus posicionamentos.
Claro que os ressentidos e invejosos sempre existirão e muitos, de fato, são
muito grosseiros e desnecessários em suas críticas, porém mesmo dessas falas é
possível extrair algo positivo e que nos ajude a crescer se aprendermos a
filtrar e adquirirmos consciência sobre nossas qualidades e defeitos enquanto
escritores.
Logo
posso aqui acrescentar que a crítica positiva não existe na prática. Quem pede
uma “crítica positiva” o faz ou por desconhecer o verdadeiro sentido da crítica
(originalmente, criticar era tão somente dar sua opinião sobre algo: um evento,
uma obra etc.) ou por querer, no fundo, elogios e afagos.
O
problema é que quem não sabe ser criticado tende a não ser um bom aprendiz.
Perceber toda e qualquer crítica como algo ruim também revela imaturidade para
lidar com a frustração e a rejeição. Claro que não é bom receber uma crítica,
uma vez que ela nos força a olhar aquilo que ainda não construímos, mas sem ter
alguém para nos apontar em que ainda podemos melhorar, nossas capacidades de
evoluir ficam prejudicados de forma séria.
Afinal,
como podemos corrigir um problema que não sabemos que está lá?
Fica
aí a reflexão. Não esqueça de deixar as suas nos comentários e nos vemos
novamente no próximo domingo; caso agora vocês não tenham virado meus haters
por eu ter sido tão sincera ao longo do post (hehe).
Mas
prometo: as palavras são acidas, mas as intenções são nobres.
Até
mais!
1 Comentários
yeahhh! aqui estou eu, burra pra usar essw blogger no tablet mas to por aqui né? kkkk bem como eu imaginava,a gatita Bran, tem um Blog, kkkk e n divulga p eu saber hauahaua pois é to por aqui observando! member now!
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